Desmontando o Mito da “Democracia Racial”
e a Negação do Racismo Estrutural no Brasil
A alegação de que “não existe racismo no Brasil” é mais do que uma
falácia histórica: é um projeto político de apagamento. Desde a fundação do
Estado brasileiro, a população negra foi submetida a um sistema de opressão
meticulosamente arquitetado, que se renova sob novas roupagens, mas mantém o
mesmo objetivo: perpetuar a subalternidade. Negar essa realidade é compactuar
com séculos de violência institucional, que começaram com leis explicitamente
segregacionistas e hoje se camuflam sob o mito da “democracia racial”.
1. As Raízes Legais da Exclusão: Quando
a Educação Era Privilégio de “Pele Alva”
A Lei nº 1 de 1837 e o Decreto nº 15 de 1839,
ambos do Estado do Rio de Janeiro, não são meros artefatos do passado. Eles
simbolizam a essência de um Estado que, desde seu nascimento, legislou para
excluir. Ao proibir escravizados e “pretos africanos” de frequentarem escolas
públicas, o Império brasileiro institucionalizou um apartheid educacional,
garantindo que a população negra permanecesse analfabeta e, portanto, incapaz
de contestar seu lugar na hierarquia social.
Essas leis não eram exceção, mas a regra. Após a abolição, em 1888, o
Estado substituiu as correntes físicas por amarras sociais: a Lei de
Terras (1850) garantiu que os ex-escravizados não tivessem acesso à
propriedade, enquanto políticas de “embranquecimento” incentivaram a imigração
europeia para substituir a mão de obra negra. O resultado? Uma população negra
condenada à periferia, literal e simbolicamente.
2. Do Pós-Abolição ao Século XXI: A
Reencarnação do Racismo
A abolição não foi um ato de generosidade, mas uma manobra econômica.
Sem políticas de reparação, os negros foram lançados à própria sorte, dando
origem às primeiras favelas e aos subempregos. O Estado, longe de ser neutro,
criou mecanismos para manter essa desigualdade:
- Leis Higienistas (século
XIX-XX): Criminalizavam
práticas culturais negras, como o candomblé, e justificavam a remoção de
comunidades pobres para áreas insalubres.
- Doutrina do “Bom Selvagem”: Romantizou a
mestiçagem para ocultar o genocídio indígena e a diáspora africana,
vendendo a ilusão de que “todos são iguais” em um país estratificado por
raça.
- Reforma Educacional de 1920: Manteve o ensino
superior como privilégio de elites brancas, enquanto escolas públicas para
negros focavam em “formação para o trabalho manual”.
3. O Mito da “Democracia Racial”: A
Máscara da Opressão
A narrativa da “democracia racial” foi e ainda é o maior entrave ao
enfrentamento do racismo. Ao difundir a ideia de que “no Brasil não existe
racismo”, ela naturaliza a violência e culpabiliza as vítimas. Dados desmontam
essa ficção:
- Desigualdade Econômica: Negros
representam 75% dos 10% mais pobres e apenas 17%
dos 1% mais ricos (IBGE, 2023).
- Violência Racial: Um jovem negro
tem 2,8 vezes mais chances de ser assassinado que um
branco (Atlas da Violência, 2023).
- Acesso à Educação: Apenas 20% dos
graduados em universidades públicas são negros, apesar de
representarem 56% da população (INEP, 2023).
4. Políticas Públicas: Entre a
Insuficiência e a Hipocrisia
As ações afirmativas, como cotas raciais e o Estatuto da
Igualdade Racial (Lei 12.288/2010), são avanços, mas esbarram em limites
estruturais. O Bolsa Família, por exemplo, reduziu a pobreza, mas
não enfrentou a concentração de renda racializada. Enquanto isso, o orçamento
para políticas de igualdade racial em 2024 foi de apenas R$ 45
milhões — menos de 0,01% do total federal.
Pior: projetos como o “Escola Sem Partido” e a reforma
do ensino médio apagam a história africana do currículo, perpetuando a
ignorância sobre o racismo. É como se o Estado dissesse: “Reconhecemos sua dor,
mas não vamos mudar nada”.
5. Conclusão: A Urgência de Encarar o
Espelho
Negar o racismo no Brasil é como negar a gravidade de um câncer: não
tratá-lo só agrava a metástase. A população negra não está em condição de
“subexistência” por acaso, mas por um projeto de Estado que começou com leis
que proibiam estudar e hoje se mantém com orçamentos irrisórios para políticas
de reparação.
Exigir mudanças não é vitimismo, é justiça histórica. Enquanto o mito
da democracia racial for usado como anestesia social, seguiremos convivendo com
um apartheid velado — onde a cor da pele ainda define quem vive e quem
sobrevive.
A escolha é clara: ou desmontamos esse sistema, ou seremos cúmplices de
sua perpetuação.
Fontes para Aprofundamento:
- Livro: “O Genocídio do Negro
Brasileiro” (Abdias do Nascimento).
- Documentário: “A Negação do Brasil”
(Joel Zito Araújo).
- Dados: IBGE, IPEA, Atlas da
Violência.
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